O conceito da Janela de Overton na igreja evangélica
A paz do Senhor, amados. A Janela de Overton, ou Janela do Discurso, é um conceito que descreve a gama de ideias que são consideradas aceitá...

A paz do Senhor, amados. A Janela de Overton, ou Janela do Discurso, é um conceito que descreve a gama de ideias que são consideradas aceitáveis ou toleráveis no debate público em um determinado momento. O nome vem de Joseph P. Overton, que criou esse modelo para explicar como as ideias transitam de impensáveis a amplamente aceitas. Pense nisso como um "espectro" de opiniões sobre um determinado assunto. Em qualquer sociedade, existem ideias que são:
- Impensáveis: Ideias que são completamente fora do que se considera aceitável, consideradas absurdas ou extremas.
- Radicais: Ideias que são defendidas por grupos minoritários, mas ainda não têm grande aceitação.
- Aceitáveis: Ideias que a maioria das pessoas considera razoáveis e podem ser discutidas abertamente.
- Sensatas/Políticas: Ideias que são consideradas viáveis e podem se tornar políticas públicas.
- Populares: Ideias que são amplamente aceitas e até esperadas pela maioria.
A Janela de Overton não é fixa; ela pode se deslocar ao longo do tempo. O que era impensável no passado pode se tornar aceitável e até popular no futuro, e vice-versa. Esse deslocamento geralmente ocorre de forma gradual, através da introdução e discussão de ideias que, a princípio, podem parecer radicais.
Na prática, o conceito sugere que, ao introduzir e discutir ideias que estão fora da janela de aceitabilidade atual, é possível alterar a percepção pública. Por exemplo, um grupo pode começar a defender uma ideia "radical" de forma persistente, o que, com o tempo, pode fazer com que essa ideia se torne menos chocante, depois tolerável, e, eventualmente, aceitável e até considerada para implementação.
Políticos, ativistas e outros atores sociais podem tentar "empurrar" ou "deslocar" a Janela de Overton para que suas próprias ideias, que antes seriam rejeitadas, passem a ser vistas como parte do consenso ou, pelo menos, como uma opção viável. Entender a Janela de Overton é crucial para:
- Analisar o debate público: Permite identificar quais ideias estão em ascensão ou declínio na aceitação social.
- Compreender a mudança social: Ajuda a entender como certas pautas ganham ou perdem força ao longo do tempo.
- Desenvolver estratégias de comunicação: Seja para defender uma ideia ou para resistir a uma mudança, é importante saber como as percepções podem ser moldadas.
Em resumo, a Janela de Overton é uma ferramenta teórica que nos ajuda a compreender a dinâmica da opinião pública e como as ideias evoluem de "impensáveis" a "normais" em uma sociedade.
Aplicar o conceito da Janela de Overton à Igreja Evangélica no Brasil é um exercício interessante para entender as dinâmicas internas e a relação desse segmento com a sociedade mais ampla. É importante ressaltar que a “Igreja Evangélica” não é um bloco monolítico; ela é composta por uma vasta gama de denominações, com diferentes teologias, práticas e posicionamentos. No entanto, podemos identificar certas ideias que transitam na janela de aceitabilidade dentro desse universo.
A Janela de Overton na Igreja Evangélica - Observações Gerais:
A janela de Overton para a Igreja Evangélica brasileira tende a ser mais conservadora em comparação com a sociedade secular brasileira em diversos aspectos. Isso significa que ideias consideradas "radicais" ou "impensáveis" dentro do meio evangélico podem já ser aceitas ou mesmo populares na sociedade em geral, e vice-versa.
Exemplos de ideias e seu posicionamento na Janela de Overton Evangélica:
1. Questões de Gênero e Sexualidade:
Ideias Populares/Sensatas (no meio evangélico mais conservador): Casamento heterossexual como única união abençoada por Deus. Papéis de gênero tradicionais (homem provedor/líder, mulher cuidadora/ajudadora). Abstinência sexual antes do casamento.
Ideias Aceitáveis/Discutíveis (em círculos mais abertos): Discussão sobre a violência contra a mulher. Abertura para o diálogo com a comunidade LGBTQIA+ (embora sem endosso de práticas).
Ideias Radicais/Impensáveis (para a maioria conservadora, mas presentes em movimentos progressistas): Aceitação plena de pessoas LGBTQIA+ no ministério e liderança. Casamento homoafetivo. Teologias feministas que questionam hierarquias de gênero.
2. Política e Ativismo Social:
Ideias Populares/Sensatas: Participação política para defender "valores cristãos" (anti-aborto, anti-"ideologia de gênero"). Assistencialismo e obras de caridade. Apoio a políticos que se alinham com a pauta evangélica conservadora.
Ideias Aceitáveis/Discutíveis: Discussão sobre justiça social e combate à pobreza (Teologia da Missão Integral, embora haja diferentes interpretações). Engajamento em pautas de direitos humanos (com ressalvas).
Ideias Radicais/Impensáveis (para a maioria, mas presentes em minorias): Alinhamento com movimentos sociais progressistas (movimentos LGBT, feministas, raciais). Teologia da Libertação (historicamente mais associada ao catolicismo, mas com nuances em algumas alas evangélicas). Crítica aberta à instrumentalização política da fé.
3. Teologia e Doutrina:
Ideias Populares/Sensatas: A centralidade da Bíblia como Palavra de Deus. A salvação pela fé em Jesus Cristo. A importância da evangelização e missões.
Ideias Aceitáveis/Discutíveis: Diferentes interpretações sobre dons espirituais (pentecostalismo vs. tradicionalismo). Debates sobre escatologia (fim dos tempos).
Ideias Radicais/Impensáveis: Questionamento da inerrância bíblica. Rejeição de dogmas centrais do cristianismo.
Como a Janela de Overton se move na Igreja Evangélica:
Influência Externa: A Janela de Overton da sociedade secular pode exercer pressão sobre a Igreja Evangélica. Por exemplo, à medida que a aceitação de pautas LGBTQIA+ cresce na sociedade, alguns segmentos evangélicos podem sentir a necessidade de reavaliar suas posições, mesmo que minimamente, para evitar alienar fiéis ou se tornarem totalmente irrelevantes para as novas gerações.
Movimentos Internos: Existem movimentos "progressistas" dentro da Igreja Evangélica (como evangélicos de esquerda, evangélicos antirracistas, evangélicos pela diversidade) que atuam para deslocar a janela, introduzindo e defendendo ideias que antes eram consideradas impensáveis. Eles desafiam as narrativas hegemônicas e buscam uma releitura da fé à luz de questões sociais contemporâneas.
Lideranças e Mídia: Pastores influentes, teólogos e plataformas de mídia evangélica desempenham um papel crucial na moldagem da Janela de Overton. Eles podem tanto reforçar o conservadorismo quanto abrir espaço para novas discussões.
Crises e Desafios: Eventos sociais, políticos ou crises internas podem levar a reavaliações de posições e, consequentemente, a um deslocamento da Janela de Overton em algumas áreas.
É um processo contínuo e muitas vezes lento, onde há uma constante tensão entre a manutenção de tradições e a adaptação a novas realidades sociais e teológicas. A Janela de Overton nos ajuda a visualizar essa dinâmica e entender por que certas ideias ganham ou perdem tração dentro do universo evangélico brasileiro.
Daniel Santos Ramos (@profdanielramos) é professor, possui Licenciatura em Letras Português-Inglês (UNICV, 2024) e bacharelado em Teologia (PUC MINAS, 2013). Pós-graduado em Docência em Letras e Práticas Pedagógicas (FACULESTE, 2023). Mestre em Teologia (FAJE, 2015). Atualmente é colunista do Portal Guia-me, professor de Língua Portuguesa no Ensino de Jovens e Adultos (EJA) e Ensino Médio e de Língua Inglesa no Ensino Fundamental (ll) da SEE-MG, professor de Teologia no IETEB e professor de Português Instrumental do IE São Camilo. Escreveu dois livros, "Curso de Teologia: Vida com Propósito" (AMOB, 2023) e "Novo Curso de Teologia: Vida com Propósito (IETEB, 2025). Além de possuir mais de 20 anos de experiência na ministração da Palavra. É membro da Assembleia de Deus em Belo Horizonte (desde sempre), congrega no Templo Central.
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